Foto de l'autor

Roberto Gambini

Autor/a de Soul and Culture

8 obres 22 Membres 1 crítiques

Obres de Roberto Gambini

Etiquetat

Coneixement comú

Encara no hi ha coneixement comú d'aquest autor. Pots ajudar.

Membres

Ressenyes

A idéia de, 500 anos depois, redescobrir o Brasil deu origem a uma série de trabalhos acadêmicos e populares em que o País é revisitado em suas origens, revisado em suas fontes e interpretações historiográficas, questionado sobre as raízes de suas práticas sociais e políticas – cujas origens estão localizadas na casa grande e na senzala, no passado monárquico e aristocrático, no paternalismo estatal e na proteção institucionalizada às classes dominantes. Uma nova obra Espelho Índio – a formação da alma brasileira, de Roberto Gambini (editora Terceiro Nome), a ser lançado em agosto – vem mostrar que há ainda um aspecto do povo brasileiro a ser analisado: a formação de sua psique, de sua alma, de sua forma de relacionamento com o Outro.

A formação do povo brasileiro e de sua alma começa no momento do encontro entre o europeu colonizador e o índio nativo. Passado o momento de estranhamento, inicia-se o processo de dominação: o homem branco assume sua posição de superioridade e autoridade paternal diante do índio desprovido de roupas, de armas, de retórica e de potência. O Outro – que é sempre definido pelo olhar do sujeito – é o índio. E isso já mostra os rumos a serem tomados pela história. Os registros disponíveis, os documentos e objetos preservados, a concepção de mundo refletida nessas relíquias são filtrados pelo olhar eurocêntrico. Nossa História, assim, está definitivamente marcada pela ideologia do colonizador, fato que se reflete em nossa alma.

Gambini parte de documentos históricos – As Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil, escritas por Manuel da Nóbrega, José de Anchieta e seus seguidores aos superiores da Companhia de Jesus, na Europa – que descrevem o trabalho de catequização e de aculturação dos índios para mostrar como o projeto português de colonização e exploração econômica do território destruiu e ignorou os traços culturais do povo nativo, o que resulta não apenas na extinção de diversos povos indígenas, de suas línguas e de sua integridade e identidade social como na destruição da herança indígena no modo de vida e de concepção do mundo do homem brasileiro.

Hoje, reconhecemos, é claro, nossas origens indígenas. Mas os índios raramente passam para nós de indivíduos que precisam ser tutelados, pois lhe roubaram as terras; educados, porque precisam se integrar à sociedade; defendidos, porque são minoria; e relembrados porque sua riqueza cultural se expressa em objetos exóticos como os cocares coloridos, os arcos e flechas, as redes e os rituais e pajelanças.

Assim, o índio que abriga nossa mentalidade é um antimito, um povo fraco, quase extinto, necessitado e injustiçado. Nada restou em nossa memória coletiva do povo que aqui foi encontrado pelos portugueses, soberanos em sua organização social, integrados ao meio ambiente, donos de uma linguagem e de uma espiritualidade próprias, por meio das quais elaboraram mitos e rituais que respondiam às necessidades de suas almas tanto quanto de seus corpos. É esse índio íntegro que, de acordo com a análise de Gambini, foi subtraído do processo de formação da alma do povo brasileiro, que ficou psicologicamente marcado por essa espécie de mutilação.

Usurpação da terra

O trabalho de Espelho Índio é uma cuidadosa associação de técnicas de análise histórica e antropológica sob as bases da psicanálise de C. G. Jung, autor no qual Gambini vai buscar o conceito de projeção para mostrar como se deu a construção da imagem do índio que até hoje sobrevive em nossa cultura pelos jesuítas.

Os portugueses chegaram às terras das Índias Ocidentais trazendo uma série de conceitos prévios a respeito da vida social e espiritual. Eram cristãos, professavam a fé católica e acreditavam numa organização social baseada na moralidade, na vergonha e na civilização como soberana sobre a natureza e capaz de transformá-la. Encontraram um povo que se organizava em termos de liberdade, professava uma fé politeísta e viviam sob as regras da natureza, adaptando-se culturalmente a ela. Ao mesmo tempo, os índios, a exuberância e fertilidade da terra, a diversidade de fauna e de flora, evocavam a imagem bíblica do paraíso. Essa aparente contradição – um povo não temente a Deus habitando o paraíso terrestre – definiu a relação ambígua que se formou entre os dois povos.

Encantados com a imagem do paraíso, os portugueses não conseguiram superar os preconceitos morais e imediatamente identificaram no índio o Outro, o diferente, o errado, o pecador. Como lembra Gambini, até o século XVI, o mal sempre estava no outro, nos pagãos, gentios, judeus ou mouros. Agora, esse lugar estava reservado para os índios.

A identificação do diferente com o Outro é mais do que uma relação socialmente definida: ela tem raízes psicológicas e é uma das condições necessárias para a projeção. Assim, ao identificar o diferente como estranho e “errado” torna-se possível a projeção de nosso lado sombrio, dos defeitos que negamos em nós mesmos, da nossa maldade essencial nesse outro estranho. É assim que os habitantes do paraíso adquirem, para os jesuítas que foram encarregados de civilizar os índios para tornar o convívio possível – logicamente dentro dos padrões europeus – passaram a enxergar no homem indígena a encarnação dos filhos do demônio, do mal e do erro, negando a partir daí seus rituais, sua espiritualidade, sua afetividade, seu modo de tratar a terra, de viver, de se alimentar, de se reproduzir, de guerrear.

A alma indígena passa a ser negada não apenas na sua essência mas também na sua própria existência. Para os jesuítas, os índios não tinham alma – o que justificava a eliminação de todos os seus traços culturais – e sua função era justamente abrir para eles o caminho da salvação, formando-a.

As cartas jesuíticas são o registro dessa projeção. Nelas estão inscritas as regras, pressupostos e “pedagogia” básicas da Companhia de Jesus bem como aquilo que o inconsciente dos jesuítas deixou transparecer: o fato de que as regras sociais e morais rígidas sob as quais viviam eliminava sua espontaneidade, predeterminava suas ações, comprometia sua relação com o próprio corpo e os próprios sentidos. Eles condenam nos índios o instinto, a sensualidade, o poder dado às mulheres: elementos subtraídos de sua personalidade voltada exclusivamente para a religiosidade.

Ao projetar sobre o Outro a imagem do mal, os jesuítas se auto-afirmam como bons, exemplares e dizem indiretamente que é neles que os índios devem se espelhar para sua salvação. Trata-se de um duplo jogo de espelhamento: eu espelho minha sombra no Outro e torno-me o espelho ideal de sua luz, de seu lado bom e claro.

A imitação

Se os europeus tinham uma imagem preconcebida do índio, lembra Gambini, o mesmo não acontecia no sentido contrário, isto é, os índios não tinham uma imagem do branco. O encontro, portanto, provocou espanto e agressividade ao mesmo tempo que abriu caminho para uma grande curiosidade dos indígenas. Logo, passaram a imitar o comportamento dos cristãos, numa tentativa de aproximação e numa demonstração de aprovação. Os índios, entretanto, não se convertiam, apenas imitavam.

Os pajés foram o único ponto de resistência concreta encontrado no processo de catequização, na maioria das vezes, outras manifestações de resistência eram sufocadas pelos colonizadores através da retórico, do apelo ao imaginário, de promessas e de desrespeito, de violência contra a identidade cultural dos índios. E todos esses atos e registros ficaram marcados na alma do povo brasileiro, que surge desse encontro desigual.

Tudo isso é detalhado e analisado por Roberto Gambini em seu livro, que se apresenta como uma obra capaz de abrir nossas mentes e nossos olhos para a questão da alma indígena e de nossa própria alma. Escrito com simplicidade mas sem limitar a análise a pontos superficiais, Espelho Índio consegue ao mesmo tempo provocar a reflexão e incitar o provocar um novo olhar sobre o imaginário da época, por meio das mais 100 ilustrações que compõem e livro, esclarecendo, exemplificando, comprovando o tratamento dado à herança indígena no processo de formação de nossa cultura e de nossa alma.

Essa herança, segundo Gambini, está cristalizada em nossa relação com os índios brasileiros até hoje. Não temos consciência de quem é o índio, apenas sabemos que em nossas raízes ele faz parte do chamado “cadinho” de raças que nos deu origem. E essa ignorância está marcada tanto na violência com que tratamos os indígenas nas comemorações dos nossos 500 anos como no paternalismo com que combatemos essa violência. A solução para resgatar a falha deixada em nossa alma não está nesse cuidado paternalista, que não é mais que outra forma de negação da integridade do índio, e sim no resgate de sua soberania.
… (més)
 
Marcat
beauvoiriana | Apr 19, 2009 |

Potser també t'agrada

Autors associats

Estadístiques

Obres
8
Membres
22
Popularitat
#553,378
Valoració
3.2
Ressenyes
1
ISBN
6
Llengües
1